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Enquanto não houver a lei complementar federal do art. 18, § 4º, da CF, os Estados não podem permitir a criação de novos Municípios, ressalvada a hipótese de convalidação do art. 96 do ADCT

Resumo

Pendente a edição da lei complementar federal que assinale o prazo permitido para a criação e alteração de municípios (art. 18, § 4º, CF/88, na redação dada pela EC 15/1996), os estados estão impedidos de editar normas que disciplinem a matéria e permitam surgimento de novos entes locais, ressalvada a hipótese de convalidação do art. 96 do ADCT. STF. Plenário. ADPF 819/MT, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, redator do acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado em 9/10/2023 (Info 1111).
Comentários
O caso concreto foi o seguinte:
O partido Movimento Democrático Brasileiro (MDB) ajuizou ADI objetivando:
(i) a declaração de inconstitucionalidade do art. 1º, caput, da Emenda à Constituição do Estado de Mato Grosso nº 16/2000;
(ii) a declaração de não recepção do art. 178, caput, da Constituição do Estado de Mato Grosso, na sua redação original;
(iii) a declaração de não recepção do art. 1º da Lei Complementar nº 43/1996, do Estado de Mato Grosso;
(iv) a declaração de não recepção do art. 3º, caput, da Lei Complementar nº 23/1992, do Estado de Mato Grosso, em sua redação originária; e, por fim, como decorrência lógica da concessão dos pedidos anteriores
(v) o reconhecimento da convalidação, por meio do art. 96 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), da Lei Estadual nº 7.264/2000, do Estado de Mato Grosso, que criou o Município de Boa Esperança do Norte.
O Partido alegou que essas normas estaduais, que fixam o prazo para a criação de municípios no âmbito do Estado, devem ser reconhecidas como não recepcionadas ou revogadas, uma vez que teriam perdido a sua eficácia com o advento da Emenda Constitucional nº 15/1996.
A referida emenda estabeleceu que compete à lei complementar federal a criação de novos municípios, de maneira que as normas estaduais que tratam dessa matéria teriam se tornado incompatíveis com a nova redação do art. 18, § 4º, da CF/88.
Além disso, o MDB sustentou que a Emenda Constitucional nº 57/2008, que inseriu o art. 96 do ADCT, convalidou os atos de criação, fusão, incorporação e desmembramento de Municípios, desde que as leis estaduais tenham sido publicadas até 31/12/2006 e que tenham atendido aos requisitos estabelecidos na legislação do respectivo Estado à época de sua criação.
Como consequência, requereu o reconhecimento da convalidação da Lei estadual nº 7.264/2000, do Estado do Mato Grosso, que criou o Município de Boa Esperança do Norte.
Esses argumentos foram acolhidos pelo STF?
SIM.
Novos municípios e o art. 18, § 4º da CF/88
O art. 18, § 4º da CF/88 estabelece quatro requisitos para que Municípios sejam criados, incorporados, fundidos ou desmembrados:
a) Lei Complementar Federal: o Congresso Nacional deverá editar uma Lei Complementar estabelecendo o procedimento e o período no qual os Municípios poderão ser criados, incorporados, fundidos ou desmembrados;
b) Estudos de Viabilidade Municipal: serão realizados Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei;
c) Plebiscito: a população dos Municípios envolvidos deverá ser consultada previamente por meio de um plebiscito;
d) Lei estadual: uma vez realizado o estudo de viabilidade municipal e tendo a população aprovado a formação do novo Município, será editada uma lei estadual criando, incorporando, fundindo ou desmembrando os Municípios.
Veja a redação do § 4º do art. 18:
Art. 18 (...)
§ 4º A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar Federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 15, de 1996)
A Lei Complementar Federal exigida pelo § 4º do art. 18 já foi editada?
NÃO. Logo, atualmente, todos os Municípios que forem formados serão inconstitucionais, porque inexiste a LC exigida pelo § 4º do art. 18, primeiro requisito para a criação, incorporação, fusão ou desmembramento de Municípios.
ADI por omissão 3.682
A exigência de que a formação de novos Municípios dependa de Lei Complementar Federal foi imposta pela EC 15/96. Pela redação originária da CF/88, bastava Lei Complementar estadual.
Como o Congresso Nacional não editou essa LC Federal, foi proposta uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADI 3.682).
O STF, ao julgar essa ADI, fez um apelo para que o legislador elaborasse a LC e fixou um prazo de 18 meses para tanto:
(...) Ação julgada procedente para declarar o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, em prazo razoável de 18 (dezoito) meses, adote ele todas as providências legislativas necessárias ao cumprimento do dever constitucional imposto pelo art. 18, § 4º, da Constituição, devendo ser contempladas as situações imperfeitas decorrentes do estado de inconstitucionalidade gerado pela omissão. Não se trata de impor um prazo para a atuação legislativa do Congresso Nacional, mas apenas da fixação de um parâmetro temporal razoável, tendo em vista o prazo de 24 meses determinado pelo Tribunal nas ADI n°s 2.240, 3.316, 3.489 e 3.689 para que as leis estaduais que criam municípios ou alteram seus limites territoriais continuem vigendo, até que a lei complementar federal seja promulgada contemplando as realidades desses municípios.
STF. Plenário. ADI 3682, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 09/05/2007.
A despeito disso, essa LC federal ainda não foi editada.
EC 57/2008
A fim de regularizar a situação de muitos Municípios criados sem o advento de Lei Complementar mesmo após a EC 15/96, o Congresso editou a EC 57/2008, acrescentando o art. 96 ao ADCT e prevendo a convalidação desses Municípios. Veja a redação:
Art. 96. Ficam convalidados os atos de criação, fusão, incorporação e desmembramento de Municípios, cuja lei tenha sido publicada até 31 de dezembro de 2006, atendidos os requisitos estabelecidos na legislação do respectivo Estado à época de sua criação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 57/2008)
Assim, os Municípios criados até 2006, mesmo sem a existência de LC federal, foram convalidados.
Veto ao Projeto de Lei aprovado para regulamentar o § 4º do art. 18 da CF/88
Em novembro de 2013, o Congresso Nacional aprovou um projeto de lei complementar (PLP 416/08) com o objetivo de regulamentar o § 4º do art. 18 da CF/88, autorizando a criação, a fusão e o desmembramento de Municípios.
Ocorre que a Presidente da República vetou integralmente a proposta, de forma que continua não existindo a LC exigida pela CF/88 para a criação de novos Municípios.
Em agosto de 2014, o Congresso Nacional mais uma vez aprovou outro projeto de lei complementar sobre o tema, porém novamente foi vetado pela Presidência da República.
Em resumo:
• A partir da EC 15/1996, nenhum Município pode ser criado, incorporado, fundido ou desmembrado, considerando-se que não existe ainda a Lei Complementar Federal de que trata o § 4º do art. 18 da CF/88, sendo esse dispositivo norma constitucional de eficácia limitada (depende de lei para produzir todos os seus efeitos);
• os Municípios criados, incorporados, fundidos ou desmembrados até 31/12/2006, mesmo sendo contrários ao § 4º do art. 18 da CF/88, foram “convalidados” (confirmados, ratificados, regularizados) por força da EC 57/2008;
• as leis estaduais que criarem, incorporarem, fundirem ou desmembrarem Municípios após 31/12/2006 devem ser consideradas inconstitucionais;
• os dois Projetos de Lei Complementar que regulamentariam o § 4º do art. 18 da CF/88, autorizando a criação, a fusão e o desmembramento de Municípios foram vetados pela Presidente da República em 2013 e 2014. Logo, por enquanto, todos os novos Municípios que forem formados serão inconstitucionais.
Voltando ao nosso caso concreto: o que decidiu o STF? A tese do Partido foi acolhida?
SIM.
Mesmo após a EC 15/1996, o regramento referente à criação, incorporação, fusão e ao desmembramento de municípios continuou a ser realizado por lei estadual, porém sujeito à observância de prazo determinado por lei complementar federal, além de prévia consulta, mediante plebiscito, às populações dos municípios envolvidos, e da realização e divulgação de estudos de viabilidade municipal.
Entretanto, o Congresso Nacional, ao invés de editar a mencionada lei complementar, optou por acrescentar o art. 96 ao ADCT, o que ocorreu mediante a promulgação da EC 57/2008.
Assim, foram convalidados os atos de criação de municípios editados no período compreendido entre a promulgação da EC 15/1996 e 31 de dezembro de 2006, desde que atendidos os demais requisitos estabelecidos na legislação estadual vigente à época.
Na espécie, o Município de Boa Esperança do Norte/MT foi criado em pleno atendimento aos requisitos exigidos pela legislação estadual que vigorava na ocasião, razão pela qual a lei que o criou foi convalidada com a promulgação da EC 57/2008.
Em suma:
Pendente a edição da lei complementar federal que assinale o prazo permitido para a criação e alteração de municípios (art. 18, § 4º, CF/88, na redação dada pela EC 15/1996), os estados estão impedidos de editar normas que disciplinem a matéria e permitam surgimento de novos entes locais, ressalvada a hipótese de convalidação do art. 96 do ADCT.
STF. Plenário. ADPF 819/MT, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, redator do acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado em 9/10/2023 (Info 1111).
Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou procedente a ADPF para:
(i) declarar a não recepção do art. 178, caput, da Constituição do Estado de Mato Grosso; do art. 1º da Lei Complementar nº 43/1996 do Estado de Mato Grosso; e do art. 3º, caput, da Lei Complementar nº 23/1992 do Estado de Mato Grosso;
(ii) declarar a inconstitucionalidade do art. 1º, caput, da Emenda Constitucional estadual nº 16/2000; e
(iii) reconhecer a convalidação da Lei mato-grossense nº 7.26

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Enquanto não houver a lei complementar federal do art. 18, § 4º, da CF, os Estados não podem permitir a criação de novos Municípios, ressalvada a hipótese de convalidação do art. 96 do ADCT. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/c1e247e2235eb596c080297d6903cf39>. Acesso em: 13/06/2024

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